O último voo de Falcao

Falcao voava sobre os adversários e marcava que se fartava. Fartava é uma forma de expressão, que fartos nunca ficaram os portistas de o ver marcar, ao contrário dos outros, que certamente se terão fartado de olhar como para o colombiano como quem surpreende a mulher na cama em brincadeiras fartas com o amante. Ainda por cima com vários amantes de cada vez, que Falcao frequentemente não era jogador para se ficar por um golo por jogo, o açambarcador.

Como o homem gostava de nos alegrar abanando as redes adversárias com uma frequência assinalável, o seu bom coração talvez o tenha transformado, se bem que involuntariamente, num bom samaritano para os dirigentes da SAD do FCP e para a panóplia de intermediários que a rodeia e chula, sejam eles quem forem ou quais forem, aquando da transferência para o Atlético Madrid, essa potência do futebol espanhol que luta época após época, louve-se-lhe a insistência, por um singelo lugar na Liga Europa. Que títulos só os ganham 20 em 20 anos ou mais. Pior que o Sporting, portanto. O que não deixa de ser um cartão de visita pouco apresentável.

Mas Falcao e a SAD não quiseram saber do prestígio do destinatário e não descansaram até terem tudo preto no branco com o clube do Vicente Calderón, o homem que foi o Pinto da Costa do tal emblema e que dá nome a um estádio que tem a particularidade de ter um túnel rodoviário a atravessar-lhe uma das bancadas e para o qual estão prometidas umas certas obras por um certo presidente de um certo clube português que equipa de vermelho que tem um certo presidente que não consegue articular certas frases sem que lhe caiam erros de português no discurso.

Ora bem, esta conversa para dizer o quê, que as pessoas têm mais do que fazer do que ler textos de alguém como eu que não promete resolver a crise nem tem nada de interessante para contar? Para dizer, indo aos finalmentes, como afirmava abundantemente o personagem da telenovela ‘O Bem Amado’, que nós, portistas, devemos sentir-nos enganados. E enganados porquê? Porque nos venderam a história que o Falcao foi a mais cara transferência de sempre do FCP e do futebol português – 45 milhões, já incluindo o apêndice Rúben Micael – quando, na verdade, o Relatório e Contas da SAD, a acreditar no que veio escarrapachado em 95 por cento da comunicação social, revela com a maior desfaçatez que o negócio rendeu aos cofres da dita uns míseros 20 milhões de euros, exactamente metade do anunciado. É obra!

Justifica a SAD que os restantes 20 milhões da transferência foram direitinhos, por exemplo, para colmatar “custos com serviços de intermediação”, para pagar “o mecanismo de solidariedade”, mais outras, não tão poucas quanto isso, minudências relacionadas com contas de duvidosas empresas registadas em off-shore – logo, dinheiro livre de impostos.

O cúmulo é a própria SAD admitir que a verba resultante da transferência de Rúben Micael é pouco relevante. Ou seja, o madeirense saiu de graça e nós pouco importados com isso.

Que haja portistas que fechem os olhos a isto, o problema é só deles. Eu, que não sou accionista mas não preciso de ter acções para ser mais portista do que muitos dos administradores da SAD, acho tudo uma vergonha. Foi dinheiro roubado ao clube, à empresa, ao que lhe queiram chamar. E dinheiro que nunca mais terá retorno.

Repito novamente, passe a redundância. Muitos até podem assobiar para o lado e continuar a cantar que o Pinto da Costa é o maior. E é. Mas poderia ser maior ainda se nós, os verdadeiros portistas, discutíssemos esta e outras questões que colocam em causa o clube e não ficássemos tranquilos até ele nos vir explicar direitinho todos os detalhes desta tão estranha contabilidade.

Se continuarmos a assobiar para o lado e fingir que está tudo bem, então o mesmo, quase aposto, vai passar-se nas próximas transferências milionárias que estão por chegar. Mas depois não podemos queixar-nos que não sabíamos de nada…